Um filme dirigido por Murilo Salles com Leandra Leal.
Baseado na obra de Clarah Averbuck.

"Querido Mário,
Como fiz durante anos te escrevi uma carta e demorei tanto para postar que ela ficou velha. Então resolvi começar de novo. Era mais fácil escrever para você quando você morava longe e não sabia o que acontecia comigo e eu contava que estava doente, que não podia mais beber e você me respondia dizendo que andava viciado em Jack Daniel´s, mas que não tinha dinheiro e então tomava um conhaque vagabundo mesmo. Tive muita saudade de você, porque ficamos muitos anos separados. Você teve outras namoradas e eu tive outros namorados que me perguntavam de quem eram aquelas cartas. Eram todas do meu futuro marido, mas eu ainda não sabia disso.
Eu coloquei muitas cartas numa caixa de correio que tinha ali perto da FAAP porque eu fazia uma peça lá. Aquela caixa de correio era a coisa mais legal que tinha ali porque eu sabia que uns dois dias depois você receberia minha carta e eu poderia inventar qualquer coisa e, porque a gente não se via, aquilo seria verdade. Eu morava num prédio que não tinha elevador e uma vez caí feio na escada porque subi correndo para ler uma carta sua que tinha chegado. Fiquei com um roxo na perna e me lembrava de você: "foi o Mário". Não tinha sido, mas eu queria que tivesse. E então um dia a gente se casou. E aquele moleque que eu achei lindo e para quem eu sorri descaradamente, que ficou conversando e bebeu comigo e tinha uma voz muito grossa que eu gostava de ouvir, o cara que tocava blues e escrevia peças e entrava em cena de um jeito que eu nunca tinha visto, meu Deus, esse cara agora era meu marido. E então eu teria que ser bacana mesmo, porque eu não podia mais escrever para você. Não podia mais me inventar para você. E eu beberia, dormiria e tomaria coca-cola na padaria com você. Apresentaria a você meu lado B e provocaria uma coleção de brigas cheia de figurinhas repetidas. Mas a gente tinha um colchão. E uma TV velha. E finalmente tínhamos um ao outro. E você era tudo o que eu queria. E todos os dias seriam plenos de amor e ódio. Ódio de ser contrariada, de ser abandonada em minha imaginação fértil e má. E você não sairia de dentro de mim nunca mais. Muitas vezes. E hoje quando você está na rua e liga para casa marcando de se encontrar comigo no cinema ou em qualquer outro lugar eu fico ansiosa e tenho taquicardia quando olho de longe e te vejo me esperando. E então eu sinto sua mão na minha cintura e sei que você é o mesmo cara que me escrevia e recebia meus postais vagabundos. E percebo que nunca, nunca mesmo, vou me acostumar com você. Você bem sabe do que tenho medo: de que você morra antes de mim e eu fique aqui com essas cartas e essas fotos. Eu que nunca me acostumei com você terei que me acostumar a viver sem você e então sentirei sua falta para sempre.E essa sim será uma grande sacanagem. Não faça isso com aquela garota que sorriu para você, roubou seu chopp e sentou no seu colo. Porque ela é sua agora. Um beijo enorme. Com amor, Fernanda."


Fernanda D'Umbra.

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