O paradoxo de uma blogueira isolada do mundo, mas bastante conectada, foi a pérola encontrada por Murilo Salles para abastecer o roteiro de Nome próprio. “É a metáfora do desamparo com que o ser humano tem lidado no século 21”, resume o cineasta. Com personagem intensa – “como viveram a maior parte dos escritores da beat generation” –, Salles se orgulha de ter feito “o primeiro road movie trancado dentro de um apartamento”, como define. “A protagonista segue uma linhagem definida: beat, em que a literatura só é verdadeira se vivida. Mas a Camila faz um percurso curioso: ela não é ‘on the road’, sua estrada é a internet”, explica. Com pena de quem “não tem uma paixão para viver”, Salles aposta na identificação do público com o sentimento forte vivido por Camila. “A paixão dela é escrever; a minha, fazer filme. Quem vive uma paixão sabe bem deste estado: perder os limites, tudo se torna intenso, o sangue sobe à cabeça, a temperatura corporal se altera, perdemos o sentido de limite, transgredimos, ficamos egoístas, nosso coração palpita, nosso humor se altera. Este é o preço da paixão: ela não é boa nem ruim, é um estado”, avalia. Na “possessão” da personagem, uma intervenção na tela (escrita por ela) deixa clara a falta de limites: “Ninguém vive a paixão impunemente”. O ser humano em estado bruto é, na visão do diretor, o suporte para um “filme extremamente delicado: nos enquadramentos, na fotografia, na música e na montagem”. “Nada é bruto no sentido de primitivo, de sujo e de rock ’n’ roll. Todo o filme é construído”, reforça. A condição do feminino está ente os temas mais candentes do filme. Na seqüência das mulheres parideiras, das cortesãs, daquelas tidas como bruxas, malvadas ou perversas, como lista o diretor, ele centrou o foco nas histéricas e, modernamente, “loucas”. “O que quero dizer está nas mulheres que não cumprem o papel instituído. São as que expressam seus excessos femininos, tachadas de egocêntricas, depressivas e autodestrutivas, num sem número de adjetivos que na verdade expõem o quão superficial e machista é o julgamento humano. Fiz um filme sobre essa complexidade feminina, com homenagens a Clarice Lispector, Ana Cristina César, Hilda Hirst, enfim, a um registro de transbordamento”, entrega. Tendo como público-alvo “pessoas sensíveis, inteligentes, antenadas com a expressão da individualidade na internet”, Salles conta que buscou estratégia de lançamento coerente com forma e conteúdo digitais que embalam o filme. Com prêmio de R$ 150 mil da Petrobras para promoção e divulgação, a equipe aplicou as forças na internet, com exposição da fita ajustada em formato de blog (nomepropriofilme.blogspot.com). Numa caça mais modesta de público, a estrela Leandra Leal chegou a panfletar no Rio de Janeiro, às vésperas da estréia. Mais um motivo de orgulho para o diretor coruja: “A Leandra doa uma das grandes interpretações femininas do cinema brasileiro, pois encarna uma personagem complexa, dando humanidade inacreditável a isso. É memorável”.
SEM DESVIAR DO CLICHÊ
Juntas, as roteiristas Elena Soarez e Melanie Dimantas encararam a missão de adaptar para as telas parte dos escritos de Clarah Averbuck.Responsável pelos roteiros de fitas com forte carga intimista, como Vida de menina,Elena, diante da exposição vista nos textos de Clarah, não viu necessidade de conhecê-la pessoalmente.“O que interessou o Murilo foi a porção de Clarah que ela deliberadamente escolheu para expor em seus livros e blog. Se isso é verdade, se isso tem alguma coisa a ver com ela na vida real, não acho que seja relevante.De resto, tudo é ficção”, explica.Tendo o universo dos blogueiros como suporte para a escrita da protagonista,Elena conta que não houve muito como desviar do clichê dos escritores alimentado pelo cinema, sempre “sorumbáticos, profuuuundos”.“A personagem da Clarah vive um pouco esse clichê por ser uma jovem em seu ritual de iniciação no ofício da escrita. Às vezes, ela se leva um pouco a sério demais nessa iniciação”, comenta. Colega de ofício de Elena, Melanie Dimantas (de Copacabana) também embarcou na intensidade desmedida da personagem. A internet foi fonte de pesquisa, apesar das ressalvas da roteirista.“Às vezes, as informações se confundem.Tudo pode ser encontrado ali, mas pouco fica, cola ou flui. Não tenho prazer em ler blogs nem vontade de fazer um”, diz.
TRÊS PERGUNTAS //MELANIE DIMANTAS
“Roteirista é escritor cineasta”
Existia possibilidade de incorrer no estereótipo do escritor? Como vocês fugiram disso?
Ninguém fugiu, estamos aqui. Roteirista não é escritor escritor, é escritor cineasta. Por mais que nos deleitemos, as nossas descrições no último dia de filmagem, ou talvez depois da montagem, vão parar no lixo, que é o seu lugar. Filme pronto é o destino inexorável de todo roteiro.
Qual o apoio para um roteiro tão centrado numa só figura?
Nome próprio é centrado numa personagem, que também é narradora de uma existência obscura. Não sabemos se é real ou virtual. Isso não importa, afinal, como disse Mário Quintana, “a mentira é uma verdade que não aconteceu”. Em relação à construção de Camila, apesar de tratarmos de eventos tão episódicos e tão entremeados por palavras, o suporte que a define é seu corpo, que transborda otempo todo pelas paredes, pelos olhares dela e dos outros.
Para a consistência na escrita é necessário despender toda aquela energia apresentada?
Aquela energia? Ainda guardo bastante dela para viver. Gasto mais energia cuidando dos meus cachorros... e talvez em sentir culpa por não gastar a tal energia em coisas mais duradouras. Falo da energia vital. Por outro lado, a consistência da escrita me parece apavorante de perseguir. Ela geralmente é resultado da hesitação, da sensação de fracasso e nulidade, do medo de se expor e do ridículo. Talvez você tenha razão na sua pergunta: “aquela energia” negativa e terrível que mina nossos critérios vai todapara os dedos que teclam e se escondem. Se isso resulta em algo consistente, deixemos que nos julguem. De resto minha convicção é de que tudo é de total irrelevância.
Um comentário:
essa noite eu sonhei que tava lendo meu livro...
to morrendo de sono, umas boletas, benzedrina, anfetaminas cairiam bem agora.
ontem fui assistir nome próprio, baseado nos textos de clarah averbuck, filme de murilo salles, foi muito bom, forte, intenso, trash, engraçado, ri muito em algumas cenas, na transa ruim, um cara idiota e ela não vai embora, seu puto, vc não sabe dá, um frio na barriga e a vontade de se estribuchar de rir, o filme é bom, sem discussão, mas nada se compara a liberdade da imaginação e de uma palavra no papel, o livro dá mais vontade de sair vivendo intensamente, ler, explorar o novo, o filme um pouco mais sombrio faz algumas cenas parecerem sem sentido, acho que é pq joga na nossa cara, um tapa na carne de que a realidade nem sempre faz sentido, aquela sensação de quando se olha em volta e parece que não estamos no nosso corpo, de quem é aquela vida?, e tudo parece surreal demais para qualquer um, as palavras estão protegidas, a imagem rasgada, escrever para poder viver, viver essa vida que muitas vezes dói, quase sempre, as vezes é boa e quase sempre, essa é a verdade, dói.
ensinar o meu namorado que cinema não é assim não, não tem essa de levantar e sair correndo, pô, tem a música final, tem as últimas letrinhas, tem o beijo. haha
homem é um bicho teimoso.
consegui chegar na hora, tava com quem queria, vi o filme certo, no fim da noite tava esgotada, tava cansada, com sono (será que foi só isso), intensidade consome mais energia, ficar fechadinha de boca calada é mais confortável?, falar pelos cotovelos e se expor é desgastante e precisa de força e de cara e de mandar a culpa toda enraizada e a insegurança sem fim pela descarga, sem entupir nada, isso é que é difícil o buraquinho é tão pequeno, não é um BURACÃO NÃO, não passa qualquer coisa, e muito fica grudado e não larga da minha cabeça.
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