Um filme dirigido por Murilo Salles com Leandra Leal.
Baseado na obra de Clarah Averbuck.

Há muitas instâncias em uma mesma arte. Fazer cinema. Pensar o cinema. Pensar o cinema dentro dos próprios filmes, metalingüisticamente. É possível também pensar o cinema ao fazê-lo, pensar de dentro mas olhando de cima, pra fazer melhor.

Foi isso que o Murilo resolveu fazer logo antes do início das filmagens de "Nome Próprio", que ainda se chamava "Uma história real". Esse texto, que vamos publicar em duas partes, propunha à equipe uma reflexão sobre o filme, sobre cinema, pra que todos juntos fizessem o filme que eles queriam fazer, e não o filme que surgisse. Um filme pensado, sem perder a espontaneidade.

Aqui é possível ver (ler) o início do processo de construção de "Nome Próprio". Uma espécie de making of dos pensamentos. Um privilégio, portanto, ter acesso a esse material. É pra ler, reler, e refletir...

Que filme estamos fazendo?

texto escrito em 28/01/2006 e enviado a equipe de Uma História Real

Este texto serve para o exercício de conceituação do filme.

Para ajudar a pensar e a investigar sobre o filme que estamos fazendo.

Esse filme, em primeiro lugar, é uma homenagem à ficção. É na ficção que o homem experimenta o seu melhor e pior, é o lugar onde ele formula seu ideário artístico e existencial, seu sonho, sua utopia; onde exalta de alegria, onde expõe seu sofrimento e sua perplexidade diante do desconhecido.

A ficção é a mais sofisticada forma de "representação" dos humanos. Podemos pensar num quadro de Renoir como uma ficção, ou qualquer outro pintor. A obra de Duchamps é FICCIONAL TOTAL, é pura "produção de pensamento".

Vamos ao que interessa. NOSSAS QUESTÕES:

Que cinema queremos praticar?

Do que trata esse filme?

Essas duas são as questões básicas sobre as quais devemos nos debruçar.

Pensar que tipo de cinema nós queremos fazer, que narrativa queremos construir.

Sem essa reflexão não vamos produzir nada que seja específico, singular, "desse filme", com a personalidade que o filme necessita.

Como fazer deste filme um filme delicado (pois se trata de um filme sobre feminilidade) e brutal (pois fala, ao fim, como sempre, sobre a vida) ao mesmo tempo?

Como filmar a história de Camila?

Essa história tem que emanar muita verdade. Mas não como num documentário, pois documentários são construídos pelo rigor/pensamento -montagem- no uso do acaso.

Na ficção trabalhamos muito mais com a construção de linguagem.

Construir uma história com uso, gasta pela sua trajetória, pelo seu tempo anterior.

Uma história reforçada por detalhes que nós, que trabalhamos criativamente no filme, vamos 'adicionar' de nossas histórias pessoais na história real. Só assim construímos algo com singularidade: verdadeiro?

Quais TEMAS abordamos nessa história real?

1- Desamparo: Camila se largou na vida. O filme é um rito da afirmação desse desamparo. Sem tal enfrentamento, não nos tornamos humanos viáveis. É um filme sobre desamparo, sobre gente desamparada, largada no mundo e que tem que dar conta de tudo sozinha(os)

2- Feminilidade: Um filme encarnado em uma MULHER. Inevitavelmente um filme sobre o feminino. Assunto cabeludo. Podemos iniciar conceituando que é um filme sobre excesso.

Excesso da presença da protagonista: desejos, obsessões, dificuldades, prazeres. Por isso, um filme difícil para mim, Murilo. Para tal tarefa me cerquei de mulheres sensíveis e inteligentes, desde o roteiro e, principalmente, na filmagem. Dependo da sensibilidade e inteligência das minhas companheiras de equipe. Preciso do olhar atento e da razão crítica aguçada das minhas colaboradoras para que o "olhar sensível" do filme seja, se possível, organicamente feminino.

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Músicas de Camila