Um filme dirigido por Murilo Salles com Leandra Leal.
Baseado na obra de Clarah Averbuck.

Estamos postando agora a segunda parte do texto que Murilo Sales distribuiu para a equipe, durante o processo de concepção de Nome Próprio.

Na verdade, esse não é um texto sobre o filme, mas sobre o próprio Murilo. Sobre as suas buscas pessoais, visuais, éticas. Um pedido de comunhão à equipe, de comunhão estética.

Um texto de quem está à procura. À procura de cinema, de um cinema de liturgia.



Que filme estamos fazendo? II
texto escrito em 26/02/2006


Cinema de Liturgia

Procurei por um tempo um conceito que pudesse definir um certo cinema que persigo e que gosto. Não sou um cineasta que faz o "cinema de poesia" Pasoliniano por definição, como Rui Guerra em Estorvo, ou Julio Bressane em Filme de Amor. Meus filmes são narrativos, gosto de emocionar, gosto do "como contar" histórias, quer dizer, gosto de linguagem.
Portanto, persigo um cinema que se constrói pela imagem, por isso gosto MUITO do L'Humanité e de Elephant, que são filmes que narram histórias mas que constroem sua forma específica e absolutamente criativa de narrar, pela imagem. Ser narrativo não é oposto de ser inventivo ou criativo. Bertolucci é narrativo e Godard faz cinema de poesia, não narrativo. Eu gosto muito de ambos.
Faço cinema para me entender no mundo e entender o mundo. Gosto de olhar, não é à toa que sou fotografo. Acho que esse filme vai ter uma levada contemplativa.
Temos que descobrir a forma para contar essa história real. Formular os conceitos que irão nortear nosso trabalho.
Então, quero definir um estética, uma ética cinematográfica.
Fui então procurar um conceito que definisse o que visualizo como estética narrativa imagística. Nessa busca, me lembrei da minha primeira comunhão. Sim, sou de família católica, principalmente meu pai. Fiz primeira comunhão. Vivi o ato da minha "primeira comunhão" com muita intensidade.
Essa lembrança me levou ao "insight" de que a intensidade simbólica da comunhão é muito cinematográfica e define com bastante clareza o que PROCURO quando penso como fazer um filme: fazer um cinema radicalmente cinematográfico.
O momento da "comunhão", com seu ritual, com os sinos tocando, com o mantra rezado pelo padre, o eco dos sons na igreja, o gestual do padre em "elevar a hóstia", o cálice de ouro, os crentes de joelho, tudo isso adiciona sentidos para criar uma narrativa para emocionar quem acredita.
Mas quero chegar nisso: é pura imagem, é pura encenação, a música (os sinos tocados pelo sacristão), o efeito (o eco, a espacialidade da igreja) a locação, o ator/personagem (padre) etc. Tudo é som+imagem, com poucas falas (mais mantras). Tudo formatando uma narrativa para emocionar.
Poderia dizer o mesmo de uma cerimônia de um casamento judaico, ou um ritual de iniciação no Candomblé. São encenações cheias de sentido narrativo com extrema força visual. Isso é CINEMA.
Por isso intitulo a idéia do cinema que persigo de "cinema de liturgia".
Ícones do meu cinema de liturgia:
GESTOS - gestual é uma "ação" muito cinematográfica. Procurar gestos delicados, intensos, descontraidamente desenhados. Falar com o CORPO. O gesto pensa.
OLHAR - Falar com os olhos. A história do olho, olhar. Um órgão investigador, com "pulsão própria", que cria uma linguagem própria. Uma forma particular e específica de produção de linguagem.
ATITUDE - a atitude é embutida, é gestual, é espiritual, é ideológica, é POLÍTICA.
Se expressa pela voz, pela entonação da voz, pelo vestir, pelo andar, pela ocupação do espaço. Sai pelo gesto. Sai pela fala, pelo conteúdo. Atitude.
TEMPO - A elaboração do tempo interno da ação e da emoção. O tempo da explosão histérica. O tempo da contemplação. O tempo do speed químico. O tempo de tomar uma atitude. A elaboração do tempo em suas diversas matizes, que sempre deve nos surpreender. A repetição (dos tempos internos e da ação) leva à banalização porque torna o tempo previsível. O tempo, sempre, tem que nos surpreender.
ESPAÇO - O espaço é nosso palco. Mas no cinema ele é tridimensional. O espaço fala. O espaço tem conceito. Nossa ação no espaço diz sobre nós e o que queremos, um dizer visual, icônico. Espaço é vital nesse filme.
ROUPA - Nossa segunda pele. Nossa atitude. Nosso desejo, nossa limitação. Nos representa e nos enclausura. Por isso, Camila despe-se.
RITUAIS CORPORAIS - Estou interessado nos rituais corporais de nosso cotidiano. Nosso desafio é converter atividades básicas tais como, comer, escrever num computador, tomar banho, limpar a casa, em processos esculturais. Usar o gesto para preencher o espaço de forma escultural, em dinâmica com a pulsão que emana da energia do personagem na cena. O processo escultural é o resultado formal do uso dessa pulsão gestual.
O corpo é o lugar de criação nesse filme.
Uma autenticidade que é construída na/pela ficção.
O que esse filme revela? A 'honestidade existencial' de cada um dos personagens. Por mais diversos e estranhos que os personagens sejam, eles têm que emanar uma integridade existencial para serem verdadeiros.
Nada nesse filme deve ser composto com um olhar de fora, de nós os artistas técnicos. Devemos pensar, criar e trabalhar a partir das subjetividades que irão emanar dos personagens. Vamos ajudar os atores a construir essa subjetividade.
Por exemplo: o figurino são roupas que os personagens usam na vida normal/real, os "looks" não são "looks", o "look" é uma palavra que vem da MODA e aqui não existe moda, existe a atitude de cada personagem.
Cada um deles tem que emergir com verdade orgânica e singular. Temos que construir essa subjetividade no todo da imagem que CERCA o personagem. No espaço, nos objetos, na roupa, nas cores, na luz, na locação.
A continuar... um dia.

Um comentário:

Anônimo disse...

Adorei seu post!

Pessoal, essa eu tenho que recomendar, dois sites interessantíssimos: www.meus3desejos.com.br e www.videoflix.com.br.

Abs.

Músicas de Camila