Um filme dirigido por Murilo Salles com Leandra Leal.
Baseado na obra de Clarah Averbuck.

"E assim como o gato lambe o próprio cu por ser capaz disso, eu mantenho esse blogue. Minha língua pode ter sido mais comprida, mas agora é mais eficiente." (Fernando Maatz no blog meu doce umbigo sujo)


Imagine a cena: uma avenida do centro de uma grande cidade na hora do almoço, lotada de transeuntes e carros. Você caminha para o meio da rua com uma escada e um megafone na mão, sobe no degrau mais alto e começa a gritar detalhes da sua vida, pra todo mundo ouvir. Parece absurdo? Ridículo? Pois seria a versão-mundo-real do que rola o tempo todo na internet, nos blogs que proliferam por aí.

O que faz alguém decidir, por livre e espontânea vontade, expor sua intimidade assim? Ciro Marcondes Filho, professor da Escola de Comunicação e Artes da USP, falou da popularização dos diários pessoais na rede em artigo de 2002 para a Folha de São Paulo:

“O incrível é que o formato [a internet] capturou outra mudança de atitude: as pessoas não desejam mais tanto ver, como no voyeurismo; hoje elas precisam mais ser vistas. A fantasia de ser o objeto do sonho de outra pessoa é bem mais forte. Por isso o reforço à pulsão de se mostrar. A tragédia do mundo atual é não ser observado. Homens e mulheres necessitam mais do que nunca do olhar da câmera para provar sua existência.”

Então é mero exibicionismo? Camila é apenas uma moça de intimidade despudorada precisando do olhar do outro pra se sentir viva, pra sua existência se tornar relevante? Você, que lê agora, é então um mero voyeur? E você, que lê esse blog mas também escreve o seu, faz também parte da horda de ex-invisíveis loucos por um pouco de atenção?

Murilo Salles discorda radicalmente da tese do professor:

“Tragédia é passar a existência desapercebido, como se só "iluminados" tivessem direito ao olimpo da exposição. Sim, pois o “Artista” é aquele que quer se expor e se expõe. A pulsão é idêntica! (de internautas & Artistas – aqui não estamos discutindo "resultados"). O que as pessoas procuram se expondo, relatando intimidades na rede, é ganhar um espaço de suas individualidades, de afirmação do seu ser (mesmo que infantil). Isso é um pré-requisito da existência. Um direito adquirido por existir.”

Hoje, vários artistas plásticos trabalham com essa questão, levando ao limite a quebra da intimidade. Um expoente internacional é a inglesa Tracey Emin, provavelmente a segunda jovem artista contemporânea de maior destaque, depois de Damien Hirst.

Em 1994 ela fez sua primeira mostra individual, na galeria White Cube, uma das mais importantes de Londres. A mostra se chamava "Minha Maior Retrospectiva" e nela eram exibidas fotografias pessoais, imagens de Emin destruindo quadros antigos, além de artigos que a maioria dos artistas não consideraria mostrar ao público, tal como um pacote de cigarros que seu tio segurava quando foi decapitado num acidente de automóvel. Esse voluntarismo de mostrar detalhes do que é tido como 'concernente à vida privada' tem se tornado sua marca registrada.

Mais tarde, em 1999, no Turner Prize, ela expôs na Tate Gallery a obra "Minha Cama", que era composta por sua própria cama desfeita, com os lençóis dessarumados, camisinhas usadas e calcinhas manchadas com sangue menstrual. A arte de Emin é freqüentemente autobiográfica. Um de seus trabalhos mais conhecidos, "Todos com quem Dormi de 1963-95", é uma barraca de acampamento com os nomes de todas as pessoas com quem ela dormiu realmente. Você pode conhecer mais o trabalho de Tracy aqui e aqui.

Outra artista brasileira que trabalha com essa questão, e que está "presente" com seu corpo no filme Nome Próprio é Alessandra Cestac, que acaba de entrar pro nosso blog com suas performances. Mais do que sua vida, ela usa seu próprio corpo como base pra sua arte, e no seu caso o despir-se é literal...

Levando em conta artistas como essas, fica claro que nem todo mundo que escreve em um blog quer simplesmente se expor. Muitas vezes o desejo é escrever, mais do que contar a vida. Fazer arte, mais do que se exibir. E como já refletimos no boxe literário há uns posts atrás, pode haver sim boa literatura além da mera vitrine virtual.

Agora, se a vida afinal está ali pra quem quiser ler e ver, se rola o strip-tease – ainda que sem a possibilidade do toque -, é possível demandar privacidade? No seu estilo pouco sutil e nada amigável, Clarah Averbuck defende que sim:

“só quem me conhece é que me conhece. podem fazer todo o tipo de análise barata, usar todo o tipo de psicologia fuleira, dissecar palavra por palavra de cada livro e cada post; só quem me conhece são os meus amigos, os que eu deixo chegar perto. (...) eu não sou próxima de ninguém que tenha tido contato apenas com o meu trabalho. é pessoal, sim, mas não é um sussurro no confessionário com o padreco ouvindo atrás. a minha vida é minha e não é nada do que ninguém imagina. arrumem uma vida pra vocês. e me deixem em paz.”
(Clarah Averbuck)

Paz? É fácil. Escreva cartas pros amigos, com envelope lacrado e entregue em mãos. Atualizando o ditado: caiu na rede é público.

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