Um filme dirigido por Murilo Salles com Leandra Leal.
Baseado na obra de Clarah Averbuck.

FELIPE MESSINA
O roteiro do filme apresenta uma série de lacunas, desde o princípio. O espectador pode simplesmente ignorar a falta de informação anterior à cena ou pode abstrair e criar seus próprios preenchimentos destas gavetas entreabertas. Do ponto de vista da construção do perfil da personagem, partimos de uma situação em que não sabemos nada sobre a anterioridade da briga entre Camila e seu namorado. As possíveis “razões” que a levaram a ser pega na cama com outro homem são apresentadas em suas falas iniciais, cada um pode construir a pré-separação da forma que quiser. Na seqüência, “conhecemos” melhor os episódios vividos por Camila. A obsessão e a compulsão; a exposição de sua vida pessoal; as repetições dos episódios de transas com outros amantes; o surgimento da mãe e de relacionamentos mais próximos; a entrega que faz à literatura. Expostos em ordenamentos distintos, as facetas de Camila podem gerar ao espectador um apreço diferente pela personagem. As seqüências do filme, em vários casos, poderiam ser apresentadas em outra ordem e construir uma terceira narrativa e ainda conter o sentido principal. Como foi o processo de elaboração do roteiro e o que definiu o percurso de construção da personagem?


(Felipe Messina, jornalista formado pela UFRJ, cobriu o circuito de festivais de cinema para o site Imprensa Jovem (2000 a 2004). Atualmente escreve para o DocBlog da Globo.com, editado por Carlos Alberto Mattos. Dentre os textos destacados: cobertura e redação de resenhas do É Tudo Verdade (2007/2008) e Festival do Rio (2007). Como realizador, produz com outros parceiros um filme sobre o projeto Semente da Música Brasileira e seus bailes no Clube dos Democráticos)

MURILO SALLES

Nome Próprio realmente poderia ter sido apresentado, montado, em diversas ordens, construindo outras narrativas. Inclusive, já tivemos 4 horas e 30 de filme montado, não de material bruto; 4h e 30 de material editado mesmo. Na versão que foi para o cinema, ele tem 1 hora e 54 minutos de filme corrido. Obviamente a gente tirou muita coisa, mexemos em muita coisa, inclusive criamos algumas descontinuidades, o que as pessoas reclamam um pouco.

Mas, eu concordo: poderíamos ter ordenado esse filme de diversas formas. Só acho que aprendi com esse filme que quando escolho uma palavra, uma cena, estou fazendo uma opção de recorte, um recorte pessoal daquele universo. O que tomei mais cuidado no roteiro foi para construir uma narrativa de uma narrativa. Nós filmamos com esse intúito, isso não foi inventado na montagem.

Eu tinha uma versão para o final do filme com Camila escrevendo num caderninho, a câmera saia do caderno e vai subindo até chegar ao olho, até um close. Um plano lindo da Leandra, só o olho dela em foco. Esse era um movimento que eu acreditava representar a passagem da literatura para o cinema. Ela escrevia num papel, toda a imagem fora de foco, quando terminava de escrever, a câmera ia subindo pelo braço dela e só focava quando chegava no olho. Achava que era nesse rito de passagem onde eu inaugurava a questão do cinema. Mas, tudo isso foi tirado.

Estou contando isso pra dizer que eu construí uma narrativa suficientemente suculenta para que eu pudesse mexer depois na montagem. O Roteiro já foi escrito pensando na posse da escritura, dos textos sob a tela; na segunda camada de significados que você comentou na sua primeira pergunta. Mas, você transformou essa questão em três camadas diferentes que se interpenetram. Eu tenho uma tendência a achar que são apenas duas. O tempo todo existe esses dois campos.

Construí o filme de forma a ter opções na manga. No roteiro eu já tinha várias cenas da Camila escrevendo no teclado, pois eu sabia que o tempo todo eu poderia cortar pra tela, enfim, ele já tinha alguns recursos que eu poderia usar e que sabia que seriam úteis na edição. O roteiro não foi feito com nenhuma artimanha, ele foi feito com o que está no filme, aliás, esse filme é muito fiel ao seu roteiro. Eu não improviso, eu improviso na hora de roteirizar. É ali que eu decido o quê quero e o quê que eu não quero. A hora de roteirizar pra mim é a grande hora criativa, é por isso que eu fico dois anos escrevendo um roteiro.

Gosto de escrever de forma que eu já começo a cena no meio; nunca revelo os prolegômenos e tento evitar o fim da cena também. Esse filme já começa com o que eu chamo de liturgia da suspensão. Existe esse desejo meu de criar uma situação sem os seus alicerces. Apesar de eu fazer um cinema narrativo, tento desconstruir as determinações que constroem uma cena. Fico criando o espaço, a cena, quero remeter para o cinema. Não interessa a historinha, interessa sim o cinema.

A primeira cena do filme, por exemplo, remete para um estado suspenso, tão suspenso que várias pessoas acham que a Camila nunca teve uma relação séria na vida. Como assim? Como as pessoas podem achar isso? Isso acontece porque há uma falta do olhar de cinema, dessa questão do tempo. E a depressão de Camila? E a destruição dela e do Felipe? Os dois estão destruindo uma relação, ninguém destrói uma relação desse jeito sem que tenha sido uma relação impactante. Felipe e Camila eram intensos, tinham uma relação séria e de longo tempo; acho que isso está claro no filme.

As pessoas acham que a Camila é uma piranha, por quê? Por causa do machismo dominante. O filme é muito sobre isso. Aliás, eu postei um texto com esse tema: Quem tem medo de Camila Lopes, um texto que discute esse machismo; um machismo que existe inclusive na cabeça das mulheres.

2 comentários:

Luiza Rudge Zanoni disse...

tá bacana. VS.

Nome Próprio disse...

Violet, que bom que vc apareceu. Estávamos com saudade.

Músicas de Camila